Política

Nuno Portas, o arquiteto do SAAL e da habitação digna para os mais desfavorecidos

Numa altura em que os problemas da habitação estão no centro de todos os debates autárquicos, Portugal perdeu, este domingo, o arquiteto Nuno Portas, um dos nomes mais importantes do urbanismo e do combate às desigualdades sociais por via do acesso à habitação digna.

Foi Nuno Portas quem deu luz verde para a construção do Bairro do SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local), em Cortegaça, num projeto elaborado por Alfredo Resende e António Moura, em outubro de 1975, com o apoio do Fundo de Fomento da Habitação.

Em 1974, Nuno Portas havia assumido o cargo de secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, que conservou durante os três primeiros Governos Provisórios. No exercício dessas funções, fomentou a criação de cooperativas de habitação e de Gabinetes de Apoio Técnico (GAT), estruturas da administração Central descentralizadas de apoio aos Municípios, concebeu o SAAL e esteve na génese do processo conducente à adoção dos Planos Diretores Municipais (PDM).

Para as casas do SAAL de Cortegaça havia projeto mas faltava dinheiro.

Foi o arquiteto Pompílio Souto quem se deslocou a Lisboa para falar com Nuno Portas e pedir-lhe para desbloquear a verba necessária. Portas ficou convencido, assinou na hora e as casas foram construídas.

Foto: José Lopes

As casas do Bairro do SAAL, em Cortegaça, são o resultado de um projeto social e habitacional que surgiu após o 25 de Abril de 1974, através de um processo estimulado pelas condições político-sociais do período revolucionário, através do qual os moradores se organizaram com programas de reabilitação das zonas de habitação degradada, com participação e colaboração de arquitetos e urbanistas.

Trataram-se de movimentos de moradores que se assumiram com o objetivo de travar a apropriação do solo urbano por parte de grupos de especulação imobiliária.

Ao fim de quatro décadas de degradação e abandono a que ficou sujeito o bairro, inacabado e em alguns casos em ruinas, com condições habitacionais desumanas, despertou uma nova geração de moradores, que nasceram, cresceram e ali continuam a viver, assumindo de viva voz, a defesa do seu bairro requalificado.
A Reabilitação do Bairro do SAAL foi consignada em final de dezembro de 2019, tendo sido adjudicada por 690 mil euros. A obra englobou 12 moradias e melhorou as condições de habitabilidade das mesmas.

Nuno Portas, em parceria com o arquiteto Nuno Teotónio Pereira, também concebeu os planos arquitetónicos do Bairro dos Olivais e de Chelas, em Lisboa, entre muitos outros, para dar resposta à necessidade de habitação digna a milhares de pessoas regressadas das antigas colónias ou que haviam migrado de outros pontos do país para a “grande cidade” à procura de uma vida melhor.

Em 1974, 25% da população do país vivia em barracas, bairros de lata ou casas degradadas, nas margens da cidade e dentro dela, sem água, eletricidade, esgotos, instalações sanitárias. Vários tinham vindo de outras zonas do país à procura de vida melhor na capital, mas tantos outros havia que já cá tinham nascido, como os pais e os avós, lisboetas.

Esse um quarto da população vivia nas costas da cidade, atrás de Alvalade, atrás de Campo de Ourique, do Areeiro, em bairros de madeira e zinco e terra batida. Eram estes os cidadãos que mantinham a cidade “de pé”, trabalhando na construção, nas oficinas, nas fábricas, na estiva, no comércio, mas não conseguiam aceder a um direito básico: a habitação.

Quando a Revolução de Abril tomou conta do país, em 1974, o povo saiu à rua para exigir direitos sociais. Nuno Portas andou no meio do povo para explicar aquilo que estaria a ser “arquitetado” para acabar com a indignidade de um ser humano ter de viver (e criar os seus filhos) em barracas de madeira ou de zinco.

O arquiteto Nuno Portas morreu este domingo aos 90 anos.

 

 

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