Opinião

A extraordinária “lição” que nos deram… – José Lopes

“Este texto é baseado numa experiência profissional (como assistente operacional) influenciada por vivências entre jovens alunos com Perturbação do Especto do Autismo – PTA que este ano letivo(2016/17) completaram o seu percurso escolar no 2.º ciclo.”

Assim chegámos ao fim de mais um ciclo do percurso escolar dos alunos que concluíram os dois anos do 2.º ciclo no ensino básico, cujo tempo parece ter voado, sem termos tido o privilégio de poder partilhar em toda a sua dimensão, experiencias de relações humanas que se vão intensificando e diagnosticando em meio escolar, nesta oportunidade de convivência com a diferença ou a multiculturalidade, neste caso, com diagnósticos clínicos que despertam sempre diferentes espectativas na comunidade escolar. Mais, pela ausência de envolvimento e preparação de profissionais que teriam de estar despertos, sensibilizados e mesmos minimamente formados para ultrapassarem tabus, como os que resultam dos casos que vão chegando em maior número às escolas, com Perturbação do Especto do Autismo – PTA.

Com memórias de outras experiências nem sempre bem-sucedidas, com estratégias desarticuladas nas transições de ciclos e ausência de respostas técnicas ajustadas a cada realidade no âmbito da escola pública, em que impera a falta de equipas multidisciplinares. Restava então e com base no pouco valorizado trabalho desenvolvido por Unidades de Ensino Estruturado para apoio à inclusão de alunos com PEA ao nível do 1.º ciclo, ainda que com empenhados indicadores, ter esperança na adaptação possível neste ingresso em meios escolares muitas vezes adversos, como as unidades escolares de 2.º ciclo, que foram deixadas num certo vazio organizacional em que o funcionamento e organização letiva é o oposto às rotinas que caraterizam alguns destes alunos.

Nesta transição de ciclo, que aparece como uma extraordinária “aventura” para alunos e familiares, ainda que recheada de angústias em alguns casos, pela brusca mudança e incertezas na capacidade de resposta das comunidades escolares. A evolução e aproveitamento escolar de alunos com PEA, depende também muito do seu grau de “perturbação”, e indissociavelmente das respostas técnicas e pedagógicas adaptadas a cada diagnóstico, feito preferencialmente de forma atempada ao início do respetivo percurso escolar, evitando tempo perdido na vida destes jovens, que só adiará a sua capacidade de autonomia, sendo em alguns casos o verdadeiro sucesso a atingir no final desta caminhada na escola.
Sendo esta partilha naturalmente uma abordagem muito superficial e sem quaisquer fundamentos técnicos, pedagógicos ou científicos, mas assumidamente apaixonada profissionalmente, este é o sentimento de quem se sente mal consigo próprio, por não ter tido tempo de partilhar as alegrias e tristezas, os bons e maus momentos de quem nos deu tantas e extraordinárias lições para vencermos as nossas dúvidas, as nossas expetativas sobre os alunos com PEA.

Havendo graus de Autismo que deveriam exigir de nós preparação e sensibilidade para reconhecer sinais, como: Dificuldades nas relações interpessoais; Não reage ao nome; Interesses restritos; Ausência de jogos simbólicos; Brincadeiras rígidas; Apresentam estereotipias (balançar, gritar, etc.); Resistência à alteração das rotinas; Evita o contacto ocular; Sensibilidade alterada a estímulos externos (dor, ruídos, cheiros, paladares, texturas, etc.); Auto ou hétero agressão aquando desregulamentação emocional; Uso instrumental do adulto; Dificuldades em generalizar as aprendizagens; Compreensão literal do que ouve ou lê (não compreende jogos de palavras ou piadas); Repetição de palavras; Alterações na linguagem; Não reconhece situações de perigo; Dificuldades na autorregulação emocional (intolerância à frustração) ou Descoordenação motora. Na prática, tais sinais, felizmente não nos foram dados a vivenciar significativamente e a aprofundar conhecimentos resultantes de tal oportunidade de relacionamentos com quem, segundo estudos e investigações sobre tal “distúrbio”, poderia manifestar nos seus comportamentos na escola. Bem pelo contrário, muitos destes sinais, são de certa forma tão comuns e inquietantes na comunidade sem tal diagnóstico que chega a estigmatizar cidadãos.

A intervenção dos assistentes operacionais mesmo considerando o esforço e dedicação pessoal de cada trabalhador, continua muito baseada na maior ou menor sensibilidade e intuição para com cenários muitas vezes insuficientemente sinalizados, tais são algumas das experiências e o tipo de abordagens, sem a adequada formação, já que, as politicas para as Necessidades Educativas Especiais têm sido restritivas e de pouca sensibilidade, para situações específicas que exigiriam mais apoio especializado, incluindo obviamente dos assistentes operacionais.

Assim chegou então o final de mais um ciclo de escolaridade destes alunos que transitarão para outras novas “aventuras” no terceiro ciclo. Um momento vivido entre um misto de alegria e tristeza. Tristeza porque o tempo se escapou tão depressa, sem nos deixar espaço para aprender e partilhar com a diferença. Tristeza e alegria porque nos cruzámos diariamente e quase que nunca nos “víamos”, um sentimento aparentemente contraditório, mas decisivo e determinante na definição do tipo de trabalho pedagógico desenvolvido para atingir seus objetivos e metas curriculares, bem como a intervenção dos técnicos na área da Psicologia, Terapia da Fala ou Terapia Ocupacional do C.R.I. (Centro de Recursos para a Inclusão) da Cercivar, e ainda não menos determinante a empatia fundamentalmente com os colegas de turma como reduto decisivo para encontrarem a indispensável fraternidade, solidariedade e a amizade que veio fortificando no dia-a-dia a compreensão, igualmente alicerçada no convívio destes dois anos no curto 2.º ciclo, em que os Diretores de Turma desempenham o papel desgastante, mas imprescindível e insubstituível na construção de tal percurso escolar no convívio com a diferença.

Mas a verdadeira alegria nesta fase final é testemunhar que estes alunos, esta geração de alunos, na escola, mesmo nesta escola, venceram barreiras, não só a realidade de um meio escolar (2.º ciclo) pouco adaptado, preparado ou sensibilizado em geral, para conviver com pessoas com eventuais graus mais acentuados de PEA. Alunos que agora transitam com particular mérito, e essa é uma extraordinária alegria. Mas tal sucesso no seu percurso escolar, deixa-nos saudades pelos seus exemplos e desafios que ficam, numa comunidade escolar que tem de estar desperta para sinais como: Competências de comunicação; Relações com os pares; Competências académicas ou Comportamentos inapropriados.

Sinais que estes alunos certamente identificaram em meio escolar, como uma eventual “perturbação” que ultrapassaram com reconhecida e satisfatória autonomia.
Caminhada para aprofundar relações interpessoais ou competências gerais de autorregulação, e também das competências sociais, que com equipas de terapeutas e os vários profissionais da educação, estes alunos continuarão segundo o seu próprio tempo a conquistar novas fases nas suas vidas.
Obrigado por esta “lição” que nos deram!

José Lopes

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